quinta-feira, 26 de maio de 2011

Portugal e a União Europeia, Os problemas de um país que põem em causa o futuro da União Europeia

Após uma breve reflexão acerca da crítica situação económica de Portugal, decidi realizar uma breve análise relativa ao que considero ser a génese dos problemas do país. Com isto, dedico especial importância a um indicador macroeconómico chave do qual pouca gente fala, mas que agrega todos os problemas com que Portugal se defronta na actualidade. Refiro-me à Balança de Pagamentos, que apresenta insistente e recorrentemente um défice bastante acentuado ao longo dos últimos anos, sempre compensado com financiamento proveniente do exterior, sendo esta a razão pela qual a dívida externa portuguesa não pára de aumentar, apesar dos esforços que têm sido levados a cabo nos últimos anos para combater este “monstro”, como foi apelidado há alguns anos pelo Dr. Aníbal Cavaco Silva, actual Presidente da República Portuguesa.
Para entender melhor esta questão convém explicitar o que se entende por Balança de Pagamentos, assim como desagregar a mesma de forma a entender melhor o problema. Assim, temos o seguinte:
Balança de Pagamentos = Balança Corrente + Balança de Capital + Balança Financeira=0
Interessa reter, para efeitos de análise, que a Balança Financeira é constituída por Operações Monetárias e por Operações não Monetárias.
Desta forma, acontece que em Portugal o défice da Balança de Pagamentos a que faço alusão é o da Balança de Pagamentos sem a inclusão da Balança Financeira referente às Operações Monetárias. Temos então, no caso português, o seguinte:
Balança Corrente + Balança de Capital + Balança Financeira (Operações não Monetárias) <0
Balança Financeira (Operações Monetárias)> 0
                Importa realçar que o sinal negativo da primeira expressão representa todo o nosso endividamento anualmente, sendo o mesmo compensado pelo sinal positivo da segunda expressão. Este é o comportamento recorrente dos últimos quinze anos, explicando assim o crescente endividamento da economia portuguesa, prevendo-se que o mesmo ultrapasse os 100% do Produto Interno Bruto já neste ano de 2011.
                A Balança Corrente é a rubrica com maior representatividade no saldo negativo português, pelo que importa desagregar a mesma da seguinte forma:
Balança Corrente = Balança Comercial + Balança de Serviços + Balança de Rendimentos + Balança de Transferências Unilaterais
                Neste momento, é possível ter já uma noção mais efectiva da nossa realidade, na medida em que conseguimos percepcionar com maior detalhe o que está na raiz do problema. Consultando qualquer estudo macroeconómico referente à economia portuguesa, é bem patente o grande contributo da Balança Comercial para o elevado défice que a Balança Corrente apresenta. Esta balança traduz-se no diferencial entre as exportações e as importações de bens, que constitui uma “doença crónica” portuguesa desde que é possível ter acesso a dados quantitativos referente a este indicador em relação a Portugal.
Assim, a Balança Comercial portuguesa apresenta défices sucessivos ao longo dos últimos cem anos, sendo excepção os anos de 1941 a 1943, beneficiando da 2º Guerra Mundial, na qual Portugal não participou, que fez aumentar a procura de certos bens, nomeadamente ao nível dos minérios, que o país exportava. Este cenário levou a um aumento do valor das exportações, como também a uma diminuição das importações, uma vez que os países envolvidos nesta guerra perderam inúmeros recursos físicos e humanos, acarretando efeitos negativos para a sua estrutura produtiva, lavando a uma contracção da oferta externa.
Fazendo um breve retrocesso ao passado, podemos constatar que Portugal tem tido ciclos bastante regulares, no que às crises de dívida diz respeito. Em 1890, Portugal passou por uma crise da dívida que levou ao incumprimento dos compromissos assumidos (ao nível das taxas de juro definidas, como o próprio reembolso da dívida), pelo que se passou por um longo período de tempo no qual o país não conseguia obter crédito externo (a solução encontrada para fazer face a esta contrariedade foi a monetização do défice – financiamento das despesas com emissão de moeda, que contribui para o crescimento da taxa de inflação). Esta situação manteve-se até à segunda década do século XX. Após grandes desequilíbrios nas contas públicas portuguesas, a partir de 1922 as reformas levadas a cabo pelos republicanos conseguiram estabilizar os principais indicadores económicos, nomeadamente a inflação.
                Após este período conturbado da economia portuguesa, seguiu-se uma longa ditadura que veio reforçar a estabilidade económica, trazendo uma forte disciplina neste campo, o que se traduziu num endividamento pouco expressivo. Apesar da forte instabilidade internacional que se viveu entre 1930 e 1950, a economia portuguesa manteve-se estável, ainda que tal não se tenha traduzido em grandes benefícios ao nível do desenvolvimento português.
Esta estabilidade pode ser explicada devido à política seguida pelo Estado Novo, que levou a bom porto uma política orçamental sempre bastante contida nos seus objectivos.
Outra característica da economia portuguesa que pode ser evidenciada é o grande fechamento que a mesma apresentava desde o século XIX, o que mantinha Portugal incólume aos acontecimentos de ordem internacional. Este panorama apenas teve desenvolvimento a partir da década de 1960, com o país a aderir à EFTA (1959) e posteriormente ao FMI, Banco Mundial e ainda o acordo com a CEE.
Nas décadas de 1950 e 1960, a economia portuguesa entrou no processo de industrialização. Este é caracterizado por um elevado crescimento da procura interna, que por sua vez desencadeia um aumento das importações, tendo como consequência o agravamento do défice da Balança Comercial. Contudo, este foi anulado pelo expressivo superavit na Balança de Transferências Unilaterais, dado o fenómeno de emigração que se sucedia em Portugal, traduzindo-se num grande aumento das remessas dos emigrantes. Desta forma, a Balança Corrente registava um superavit, possibilitando a Portugal, manter um ritmo de crescimento elevado e sustentado, assim como permitiu convergir em relação aos principais países industrializados. Desta forma, era possível manter um défice da Balança Comercial, sem que tal se repercutisse no aumento do endividamento, que levasse a um abrandamento da actividade económica.
Em 1974, como se sabe, deu-se a Revolução dos Cravos, instituindo-se a democracia. As medidas levadas a cabo, nomeadamente no que se refere à política de remunerações, assim como à política orçamental mais expansionista do Estado (relativamente ao verificado no período do Estado Novo), e ainda o panorama internacional negativo (choques petrolíferos de 1973 e 1979) tiveram graves consequências para a economia portuguesa, nomeadamente, no que se refere ao equilíbrio das contas externas, apresentando défices bastante elevados, o que contribuiu para o aumento do endividamento. Este cenário justificou a primeira intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) em território português, em 1977.
A política de intervenção do FMI caracterizou-se pela contracção da procura interna com o intuito de reequilibrar as contas externas da economia portuguesa, ou seja, uma diminuição desta provoca um decréscimo das importações. Ao mesmo tempo, houve uma preocupação com o aumento da competitividade da economia, de forma a assegurar um aumento das exportações. Assim, a estratégia definida teve como desígnio o reequilíbrio das contas externas portuguesas, de um modo sustentado que permita à economia portuguesa crescer significativamente nos anos subsequentes.
As directrizes definidas como essenciais para atingir os efeitos pretendidos foram essencialmente a política de remunerações, orçamental, monetária e cambial. A primeira a que faço referência teve como consequência a diminuição dos salários reais, ainda que os nominais continuassem a aumentar vertiginosamente, o que era mais do que compensado pela elevada inflação registada neste período. Relativamente à política orçamental, o objectivo era a diminuição da despesa pública, o que não foi conseguido de todo, tendo a mesma aumentado, ainda que ligeiramente. A estratégia a seguir no âmbito da política monetária consistia no abrandamento da concessão de crédito à economia, tendo efeitos nefastos no investimento. Para alcançar o sucesso pretendido, era necessário aumentar as taxas de juro reais, o que não se verificou, contribuindo para o fraco contributo deste instrumento. Por fim, a política cambial traduzia-se na desvalorização da moeda portuguesa, o Escudo. Desta forma, com o aumento dos preços dos bens proveniente do exterior, decorrentes do aumento do preço das moedas estrangeiras, tinham como efeito a substituição dos bens importados por produção nacional ou a diminuição do consumo dos mesmos. Assim, as importações sofreriam um decréscimo, permitindo o reequilíbrio da Balança Comercial. Contudo, os efeitos desta política iam para além do referido, uma vez que com a desvalorização da moeda, os bens exportados eram mais baratos, contribuindo deste modo para o aumento das exportações portuguesas.
As medidas que foram tomadas durante o período compreendido entre 1977 e 1979 foram bem sucedidas, uma vez que o objectivo final foi conseguido, a Balança de Rendimentos estava equilibrada.
Assim, a intervenção do FMI nos países com problemas macroeconómicos, nomeadamente de endividamento, tinha como principal fundamento o reajustamento de curto prazo que provoca fortes recessões económicas e posteriormente um aumento do desempenho económico, o que foi conseguido em Portugal.
No final do ano 1979 e início de 1980 ocorreu novo choque petrolífero, elevando de forma acentuada o preço do petróleo. Este acontecimento mais uma vez prejudicou a economia portuguesa, que se ficou igualmente a dever ao abrandamento das políticas restritivas por parte do Estado Português que tinham sido levadas a cabo durante o primeiro acordo com o FMI.
Perante nova situação difícil do país, há a necessidade de um novo acordo com esta instância, o que veio a ocorrer em 1983, aplicando as directrizes que já haviam sido postas em prática em 1977, tendo obtido igual sucesso.
Após este período conturbado, Portugal novo período de estabilidade e elevado crescimento que, em grande parte, se deve à adesão à União Europeia. Esta fase teve o seu término no ano de 1999, sendo este chave para entender as dificuldades que Portugal actualmente atravessa, pois data a adesão de Portugal à Zona Euro. Posto isto, que implicações trouxe este acontecimento? Trouxe inúmeras consequências que, até ao presente momento, se poderão apontar como negativas. Com a adesão à moeda única, o país perdeu autonomia em várias áreas de acção que tinham permitido o equilíbrio até à data. Falo da política monetária e cambial, essencialmente. Estas foram fundamentais para que Portugal conseguisse manter equilibradas as contas externas, uma vez que ao primeiro sinal contrário, era possível reagir, ora desvalorizando a moeda (aumentando a competitividade), ora aumentando as taxas de juros (fazendo diminuir a procura interna e por sua vez as importações).
Com esta perda de autonomia, originaram-se as condições necessárias para que os sucessivos desequilíbrios tenham afectado significativamente a economia portuguesa que cada vez é menos competitiva.
Deixo uma pergunta no ar… Será que Portugal estaria na mesma situação se a crise internacional, que teve início em 2008, não tivesse ocorrido? Na minha sincera e modesta opinião, parece-me inevitável que mais cedo ou mais tarde tal aconteceria, dado que a dívida pública portuguesa tem subida vertiginosamente em longo dos últimos 10 anos, tendo-se acentuado esta tendência a partir do ano da “desgraça”.
A génese do problema português é estrutural e está relacionado com a “precária” produtividade portuguesa. Portugal não consegue ser competitivo com as restantes economias desenvolvidas e muito menos com as economias emergentes, nas quais se destacam os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
Um aspecto a salientar na pequena análise que efectuei ao passado histórico-económico português é o facto de Portugal apresentar um estado pro-cíclico com as crises internacionais, isto é, sempre que as economias externas abrandam, a economia portuguesa entra em crise. Esta evidência verifica-se com as três intervenções do Fundo Monetário Internacional, nas quais Portugal teve de recorrer a ajuda externa, de forma a superar as dificuldades inerentes, em grande parte, à crise internacional.
Interessa por conseguinte perceber as razões que estão por detrás de tal fragilidade portuguesa. Na minha óptica, é relevante o facto de Portugal ser uma economia excessivamente aberta, tendo em conta o nível competitivo que a economia apresenta ao longo das últimas décadas. Assim, é notório que o facto de Portugal ter aderido à Zona Euro teve repercussões negativas, na medida em que levou à perda de “regalias” que permitiam ao país manter o equilíbrio e estabilidade económica.
Perante isto, é crucial indicar possíveis soluções para os problemas que Portugal atravessa. Na minha opinião, os mesmos só serão resolvidos, a longo prazo, com um maior envolvimento das economias europeias, quero com isto dizer que é necessário proceder a uma reforma no modo de funcionamento da União Europeia, no sentido de proceder a uma maior integração económica. A criação de uma União Estadual pode ser o primeiro passo a dar, de forma a garantir uma política económica e fiscal única. Este deve ser o interesse da União Europeia, uma vez que neste momento apenas duas decisões podem ser tomadas, avançar no processo de integração ou recuar no mesmo.
Será que os máximos responsáveis europeus estão à altura do desafio? É esta a questão que se coloca como grande interrogação para o nosso futuro, o futuro do país e da União Europeia.


Bibliografia Consultada:
Apontamentos da disciplina Macroeconomia I, leccionada na Faculdade de Economia do Porto, no ano lectivo 2009/2010.
Apontamentos das aulas da disciplina Economia Portuguesa e Europeia, leccionada na Faculdade de Economia do Porto, no ano lectivo 2010/2011.

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